Lars, Patrick e Luca são investigadores respectivamente das universidades de Copenhaga (Dinamarca), Sorbonne (França) e Milão (Itália), trabalhando em Novas Políticas Europeias em Contexto Municipal, num projecto que une em rede universidades de diferentes países. Estiveram em Lisboa e com eles partilhámos experiências e ideias sobre, designadamente, o conhecimento de factores de obstrução na política e na defesa da sustentabilidade do território versus o "vale tudo".
O caciquismo foi um dos temas salientados. Portugal é conhecido lá fora por se colocar na parte cimeira da lista dos países onde existe mais corrupção, a que se associa fatalmente o caciquismo.
O caciquismo do final da Monarquia e do início da República, associado ao interior do país rural e de mentalidade inerte, não desapareceu, só se refinou e adaptou às novas realidades. É o da compra do pequeno favor, do compadrio, do afilhado, da cunha, da pequena influência. Há restos de uma sociedade de servos e senhores, porque uma boa parte da população portuguesa continua a manter intactos alguns hábitos da sociedade servil. O recurso ao caciquismo local é considerado o pior da tradição do municipalismo português.
Perceber a natureza das relações entre os trabalhadores dependentes de uma Câmara Municipal, por exemplo, ou de algumas associações locais relativamente aos eleitos, neste caso numa oposição comprometida que interessa a ambas as partes, ajuda também a perceber o "êxito" de alguns personagens.
Há caciques de todas as espécies. Mas quase todos eles vêm das berças de um ruralismo que os afectou de preconceito. Chegam à cidade de província para estudar. São alunos razoáveis e ingressam na universidade. Aqui, tomam contacto com associações estudantis, e começam o seu percurso. O cacique é régulo por definição, não suporta que a inteligência dos outros conviva com a sua ambição de reinar, de controlar, de influenciar, quase sempre na sombra, não quer que no resultado dessa acção se perceba a sua mão. Mas percebe-se!
Depois de um trabalho de limpeza à sua volta, o cacique fica rodeado de subservientes que o idolatram e lhe fazem as vontades. Quando pode, tem os meios de informação consigo, preparados há longo tempo, e pedras de confiança em instituições locais, nem que para isso ajude à destituição de outras.
Mesmo sendo da oposição ao poder, o cacique espreita-o. Em primeiro lugar, não se dispondo a ir a votos, colabora, ou seja, aposta nas dificuldades para vender facilidades. Num segundo momento, em perfeita harmonia com o poder, até pode estabelecer antecipadamente acordo para ser o sucessor do actual dono desse poder, de quem se espera, aliás, uma retirada no limite das suas possibilidades legais, mas que não pretende que o substitua alguém da mesma cor política, para que mantenha a marca da sua história.
O cacique é dono e senhor das suas próprias associações que criou para lhe dar enquadramento, estruturas anti-democráticas porque não suportam a diferença de opinião.
O cacique é calculista e maquiavélico, mas é nas berças, porém, que tem voz. Volta sempre da cidade grande, onde lhe não deram crédito, porque o único "poder" que aí teve foi à custa do jogo de bastidor.
O cacique é mais uma das vergonhas do pior de Portugal e das nossas cidades.
Com Lars, Patrick e Luca, investigadores e políticos activos, falámos de autores como Shmuel Noah Eisenstadt e Luis Roniger, que escreveram Patrons, Clients and Friends: Interpersonal Relations and the Structure of Trust in Society (1984), e de outros. Ofereci-lhes, simbolicamente, o trabalho sempre actual de Pedro Tavares de Almeida, Eleições e Caciquismo no Portugal Oitocentista (1868-1890) (1991), com uma sinopse traduzida por óbvia gentileza. Porque acreditamos que podemos ter cidades e países livres e democráticos, donos de si e das suas decisões. E para arrumar caciques e totalitários nas prateleiras da História, como ouvi alguém dizer. O passado já foi.
Uma nova política aberta à criatividade, ao conhecimento e à partilha não se coaduna com o caciquismo bolorento e provinciano. O cacique navega em águas turvas. E esta não é a parte fictícia da estória. Será que os caciques têm futuro?
Pelo menos, que o tenha este rum – venezuelano –, curioso no seu nome, seguramente tão bom como o dominicano que, em tempos, apreciei in situ.
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